sexta-feira, abril 08, 2005

 

Primavera

Pois é...
É suposto ser esta a época em que toda a depressão do Inverno e da escuridão se vai, que as hormonas redespertam para a claridade, para a festa, para o Sol, praia, bronze, flores e mais coisas como estas.
Só que cada vez me parece mais que o mundo gira ao contrário. As pessoas cada vez mais brutas, menos humanas e mais autómatos, as mulheres cada vez menos seguras de si (e a mascararem esta insegurança com uma agressividade mais masculina e irritante do que assertiva), os homens mais distraídos (com as mulheres, sim, porque ao ego continuam a regá-lo diariamente)...
Andamos todos a correr, e para quê? Não ficamos mais felizes por isso, não nos tornamos mais ricos, mais bonitos, nem mais inteligentes.
No outro dia vinha para Lisboa no expresso das 19h30. Vinhamos 3, eu, o motorista, e um outro passageiro. O que eu mais queria, depois de uma entrevista de emprego gorada, de um dia esgotante seguido de uma noite mal dormida, era chegar sã, salva, e a tempo de descansar tudo o que o corpo me pedia.
Eis senão quando o senhor motorista (aliás, Senhor Motorista daqui para a frente), na paragem antes de entrarmos na miraculosa auto-estrada de regresso à civilização e ao conforto do dia a dia nos pede (pediu, não impôs, pediu!) se não poderia ser possível pararmos na auto-estrada. E porquê? Porque este senhor já estava a fazer esta viagem pela 4a vez neste dia, e desde as dez ou onze da manhã que tinha reparado nuns borregos presos na vedação adjacente à auto-estrada. Cada viagem que tinha feito tinha reparado neles, mas só agora, com tão poucos passageiros, tinha tido coragem de pedir para poder atrasar-nos uns minutos.
E assim, obviamente, concordámos, eu, o passageiro, e o Senhor Motorista. Parámos, libertámos os dois borregos (que de aflitos tinham já escavado a terra, ferido a cabeça, e podem imaginar o resto). E fomos todos em amena cavaqueira até Lisboa. Quantas pessoas terão passado ali e visto os animais, não sabemos. Se o dono alguma vez teria dado pela falta deles, não sabemos. Mas a este homem, filho da terra e habituado a bichos, era impensável deixá-los ali. E em toda a conversa que travámos para cima, a admiração que cresceu por esta pessoa singular, verdadeira e simples ensinou-me muito.
É esta história, meio fábula de LaFontaine, meio conto de Torga, que me faz acreditar que ser melhor não custa, não dói, e é responsabilidade de todos.

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